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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Será que estamos preparados para o Google Glass

Matérias muito boa do Jezebel.

O brinquedo tecnológico mais falado de 2012 não é um videogame, um iQualquer coisa ou o tablet da Microsoft, e sim o Google Glass. Porque nada parece tão 2030 quanto um computador-com-tela-acoplada-aos-óculos. Nos grandes jornais e portais, ele sempre é tratado como os “óculos do futuro”, e os efeitos especiais do primeiro vídeo de apresentaçãofez fãs de Homem-de-Ferro criarem grandes expectativas. Faltava vê-lo funcionando na prática. Na última semana, em seu grande evento anual, o Google poderia ter gastado todas as forças no novo tablet com um custo-benefício incrível, ou a versão para Androidmais rápida e bonita, mas a gigante preferiu gastar muitos, muitos minutos e uma surperprodução digna de Michael Bay para anunciar que o Glass já estava mais ou menos funcionando, e estaria disponível para alguns desenvolvedores em algum momento de 2013 por US$ 1.500. Os fãs suspiraram, decepcionados, porque queriam o futuro agora. Eu não. Espero que ele morra o quanto antes, na fase de projeto. Para o bem da humanidade.

Eu já tinha minhas reservas em relação ao Google Glass, mas parecia estar sozinho nas críticas: a reação geral dos comentaristas à notícia dos óculos com um HUD era maciçamente positiva. E quem colocava em dúvidas o sentido do Glass ganhava logo a resposta automática que me fez parar de ter vontade de escrever sobre tecnologia: “Se fosse da Apple, você chamaria de mágico”. O argumento mais elaborado vinha na forma de “não podemos criticar o futuro sem saber como é” ou algo assim. Mas bom, acho que podemos criticar uma visão de futuro.

As pessoas de hoje (ao menos as que comentam na internet), parecem tão acostumadas a ter a atenção dividida que querem incorporar este modus operandi a todas as horas acordadas. Se assistimos ao Oscar e tuitamos no smartphone ou jogamos videogame prestando atenção em inúmeros contadores,nada mais normal que um picture-in-picture da vida real. “Pense nas possibilidades! Isso sim é revolucionário!”, diriam os mais empolgados, querendo aumentar o alcance da realidade aumentada.

Pensando videogamísticamente, é claro que há uma real utilidade para o Google Glass em algumas situações: médicos poderiam se beneficiar vendo, durante uma cirurgia, tanto as reações do paciente quanto a microcâmera dentro de uma incisão; militares ou policiais de forças especiais poderão receber informações visuais críticas mantendo o foco no que está à frente. Talvez engenheiros, biólogos e outros consigam usá-lo em situações profissionais, muito específicas e temporárias. Para mim, o ideal é que tudo funciona da mesma forma que um capacete de piloto: acabou o uso, você tira. Como o capacete de piloto, aliás, a ideia está muito longe de ser nova. Em um artigo de 1945, o engenheiro Vannevar Bushescreveu um artigo imaginando um futuro em que os cientistas usariam óculos capazes de fotografar automaticamente “tudo que fosse digno de registro”. Quando estiver funcionando perfeitamente, é o que o Glass pretende fazer.

Mas o que vimos na apresentação cheia de pirotecnia também não foi nada muito novo: pessoas com capacetes ligeiramente menos embaraçosos que registravam coisas “dignas de registro”. O uso demonstrado, de pessoas saltando de para-quedas e andando de bicicleta enquanto transmitiam as imagens para o mundo não foi muito diferente de uma câmera de ação no capacete com um modem nas costas (os paraquedistas tinham roteadores na mochila). Não entendo como uma câmera menor nos óculos pode ser tão incrivelmente diferente ou revolucionária. Mas pelos aplausos e comentáriosinsanamente empolgados em blogs alhures, as pessoas aparentemente acham isso divertidíssimo e o querem hoje.

Mas o problema para mim é que ao fim da demonstração, os Googlers não tiravam os óculos. O que me incomoda profundamente na visão de futuro do Google é que eles acham que alguém fora Sergey Bringostaria de usar isso o tempo todo. Um futuro assim é perturbador. Por vários motivos.


Privacidade e novas regras sociais


Ninguém se comporta naturalmente quando se depara com uma câmera ou um gravador. Mudamos a voz para falar, confidenciamos menos, somos mais atentos ao que fazemos, menos espontâneos – à exceção, talvez, de certos participantes da Fazenda. Agora, imagine encontrar um amigo com um mecanismo de transmissão na cara. É óbvio que as pessoas não reagirão naturalmente. Babak Parviz, o chefe do time do Glass, é polianamente otimista, e disse ao AllThingsD que a “etiqueta digital” vai evoluir, com as pessoas se acostumando a alertar as outras que estão gravando. Será que todos ficarão com a síndrome-do-tio-chato (que manda todo mundo sorrir pra fotos o tempo todo no Natal)? No mundo real, pelo que eu conheço da natureza humana, a graça vai ser justamente gravar sem o conhecimento do fotografado. Se o Glass vingar, espere uma profusão ainda maior de galerias de creep shots (no Brasil, os tais flagras de meninas com roupa de academia e coisas assim), como essa do reddit. Parece divertido pra você? Pense em outros desdobramentos.

Em setembro de 2010, Dharun Ravi, de 20 anos, tuitou: “Meu colega de quarto me pediu o quarto até a meia noite. Eu fui ao quarto e liguei a webcam. Eu o vi transando com um cara. Yay.” O seu tímido recém-chegado colega de quarto da Universidade de Rutgers, Tyler Clementi, 18 anos, obviamente não sabia que seu encontro estava sendo transmitido via um Justin.tv da vida. Três dias depois, Clementi se suicidou, num caso que provocou amplas mudanças na lei e campanhas nas universidades americanas. Sim, é um caso extremo com uma reação extrema. Mas pense de novo no caso das fotos e vídeos de “ex-namoradas” que vazaram. Há inegáveis estragos sobre as vítimas. Agora pense numa ferramenta que permite tornar isso incrivelmente mais fácil e discreto, que precisa de zero tempo de setup e onde o xeretado não fica sabendo. Você pode ser uma pessoa de bem, mas nós como sociedade estamos preparados para usar isso de maneira responsável?

Pouco depois do suicídio de Clementi, Walter Krin escreveu no New York Times que George Orwell imaginou o “futuro” (os nossos tempos atuais) de maneira bem mais simples há 60 anos, quando escreveu 1984. Para Krin, em vez de termos um “Big Brother” que vigia todos, temos um exército desorganizado de Little Brothers, que não precisa de uma ditadura para criar um estado de vigilância. “A invasão da privacidade – de outras pessoas mas também de você mesmo, enquanto nós apontamos as nossas lentes para a gente na busca pela atenção a qualquer preço – foi democratizada.” O artigo fala da profusão de webcams e câmeras no celular que nos taggeiam em fotos embaraçosas no Facebook ou vídeos no Youtube. Queremos, de novo, um aprofundamento deste problema?

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